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Colaborações para Revista Pessoa

Pulei sete ondas e não funcionou, então pulei o mar todo (Urutau, 2023)

 

Em quatro anos: uma mudança transatlântica, uma mãe com doença terminal, um luto severo, o bolsonarismo, uma pandemia que levou embora minha cunhada, uma estafa, duas mudanças de casa, uma obra, um ombro quebrado com direito a cirurgia no meio da covid, uma placa de titânio e sete parafusos, duas mudanças de escola da filha, uma reeleição histórica. 

Desta coleção saíram o que contei como 62 crônicas e croniquetas, mas podem chamar de espasmos. Reunidos, eles finalmente clarearam o grande borrão que esse período havia se tornado pra mim. Juntos, apertaram um pouco mais o diafragma treinado, acordaram os pulmões asmáticos e, enfim, me fizeram respirar. De alívio, de lucidez, de alguém que entendeu um pouco melhor o que é emigrar e o que é hoje, do outro lado do mar, o Brasil.

Os pés tropicais continuam no Porto, cuidando para não tropeçar nas pedras das calçadas, com um olho no Douro e outro no Atlântico. Proporção é uma questão para os mapas. Estas aqui são coordenadas sensíveis que não mostram caminhos, só atalhos, porque mudança mesmo a gente só faz em conjunto.

É dedicado aos imigrantes, aos sobreviventes da pandemia e aos portugueses também, ora essa. Pátria não é território, é afeto. 


 

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Odette Boudet

O medo do abraço, 2021

Série Persona

Óleo sobre linho

80 x 80 cm

Texto de abertura feito para a exposição da artista visual Odette Boudet. Porto, 2022.


Por mais que tentem nos fazer acreditar do contrário, nunca estamos separados do mundo das ideias e, se o mundo nos é estranho, é porque estamos nele. A arte ocorre, justamente, por um encontro silencioso do corpo com as potências positivas e negativas desse mundo.
Na obra de Boudet, profundidade, cor, forma, linha, contorno e luminosidade são ramos da pintura que mostram, antes atravessados pelo olhar de uma câmera, como ancoramos no presente, carregado de memória. Aqui o corpo já está além dele mesmo, num mundo de relações e contatos. Aparecer é, sempre, aparecer em relação. Relação com o passado, o luto, a violência, os perigos do maniqueísmo e do fascismo, mas também com o abraço e o oceano Atlântico com seu horizonte infinito de possibilidades. 

 


 

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Fiz essa foto para homenagear o Volta pra tua terra, antologia antirracista / antifascista de poetas e escritores lusófonos residentes em Portugal. No segundo volume que tenho nas mãos, o de Prosa, participei com um texto ficional que fala sobre um feminicídio que aconteceu de fato. Neste mesmo volume, tão lindo em frente `a capela dos Jardins do Palácio de Cristal, onde fizemos uma leitura na Feira do Livro do Porto, dos 34 autores, 30 são mulheres, incluindo mulheres trans. O feminismo universal, como bem marcou a curadora Manuela Bezerra de Melo. Este volume, da editora Urutau, que faz a gente respirar, é vermelho encarnado como a luta. Gosto de pensar que neste livro estamos todas nós, sempre. A luta que vale a pena é aquela feita em boa companhia.

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Nos vemos em Marduk 

Marduk, nome de rei babilônico, pai do deus da escrita, da sabedoria e da literatura, é também um planeta hipotético onde morariam figuras ilustres das letras e das ciências como Einstein e Julio Verne. Hilda Hilst seguiu para lá às 3h50m do dia 4 de fevereiro de 2004. Irredutível à ideia da finitude, ela acreditava na vida após a morte. 

Nos vemos em Marduk, meu segundo livro de ficção, é uma novela sobre a força da literatura de Hilda, com quem topei na adolescência, lendo uma entrevista com a autora na revista Marie Claire. Nunca mais me recuperei do espanto. Cresci seguindo seus rastros, dobras e aguados até rascunhar minhas próprias linhas (ESGOTADO). 

 

 

A luneta de Descartes
Sinopse do filme de Paulo Leminski

René Descartes, o filósofo francês que esculpiu a cabeça do Ocidente, desembarca no Nordeste brasileiro do século XVII. Integrante da expedição holandesa do príncipe Maurício de Nassau, o pensador racionalista se choca com a realidade quente e confusa dos trópicos. Numa praia de Olinda, aterrorizado com jibóias, tamanduás, plantas carnívoras e o escambau, Descartes aguarda ansiosamente ser resgatado pelo comandante polonês Krzystof Arciszewski.  Enquanto espera, entre um e outro cachimbo preparado com ervas nativas, o filósofo espia o horizonte com uma luneta...

 

 

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Bio Beatriz Carneiro
2016

Um dia, sem saber o porquê, cismou que precisava ver como se tira a pele de uma vaca. Seria mais uma cena teatral na sua vida e na sua obra, ambas carregadas de influências surrealistas. Ligou para todos os matadouros da França pedindo para ser recebida. Recusaram-se a atender tão estranho pedido. Foi um açougueiro tradicional da Suíça, profissão herdada de pai para filho por várias gerações, quem se mostrou honrado com o seu súbito interesse. Que ela aguardasse três meses. Quando a vaca estivesse madura, ele a procuraria. Beatriz Carneiro, em seu ateliê impregnado de tempo, reflexão filosófica e maturação artística, esperou...

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À sua espera: uma viagem
filosófica ao centro do útero
2012

Foram dois anos. Ninguém mandou demorar tanto para começar a tentar. A gente acha que engravidar é mole, mas não é. Não depois dos trinta. Nesse tempo em que a cegonha jogou duro comigo, entrei em todas as crises possíveis: existenciais, profissionais, pessoais, físicas, financeiras. Acabei achando, é claro, que isso tudo dava um livro. E deu. Um livro filosófico, porque só a filosofia salva, assim como só a ficção nos permite trabalhar bem a verdade. Foi concebida assim a novela À sua espera, pouco antes da Alice ser, finalmente, trazida pela cegonha preguiçosa. Nesse ano, nasceram as duas. A primeira pela editora Dublinense. A segunda por mim mesma, em parceria com a própria Alice e uma equipe que virou a noite na Perinatal. 2012, sem dúvida, é o ano mais fértil da minha vida.

 

 

Book do projeto O Grande Caldo, de Adriana Varejão.
Rio de Janeiro: Comunicação Orgânica, 2010. (Lula Buarque de Hollanda)

Acontece de vez em quando. Devo ter um certo ímã para emergências. Além de escritora freelancer, também poderia me intitular escritora SOS. Apareço correndo, desarvorada, um tanto sem fôlego, para assumir textos cabeludos que devem ser entregues anteontem de manhã cedo. Geralmente não consigo dizer não. Tenho até exercitado esse aprendizado, mas ainda não cheguei ao Nirvana.
Daí pego o freela, fico preocupada, depois levemente desesperada, em seguida quase perco o sono, e mais um pouco caio dentro e gosto. Vai entender. Fato é que graças a esse trabalho urgente mergulhei fundo no desconcertante universo da artista plástica Adriana Varejão, onde a carne é feliz e o barroco é “puro dentro”. Levei alguns caixotes e engoli um pouco de areia, mas voltei à praia renovada, inspirada e de bem com a vida. Fiquem de olho: quando essa exposição apontar nos jornais, respirem fundo e mergulhem também.

 

 

Nós do Morro 20 anos Rio de Janeiro:
(X) Brasil, 2008.(Organização Marta Porto)

É subir o Vidigal e parar mais ou menos na metade do caminho, na rua Dr. Olinto Magalhães, 54. Fica lá o Casarão do Nós do Morro, grupo de teatro fundado há mais de 20 anos por Guti Fraga, Fernando de Mello da Costa, Fred Pinheiro e Luis Paulo Corrêa e Castro. A idéia era proporcionar à comunidade o acesso à arte. Acabou levando-a ao mercado de trabalho, porque qualidade ali sempre foi palavra de ordem. Lá no casarão, onde acontecem as aulas, o povo trabalha duro. Para vocês terem uma idéia, nem cantina o espaço tem. Seria desperdício de metro quadrado, porque cada pedacinho de chão pode servir de palco, de roda de capoeira, de sala de reunião. Todo o ambiente vibra de pura energia, de teimosia da boa. O negócio ali é a arte, o resto é acessório. Nem preciso dizer que foi uma honra escrever esse livro. Freqüentar o casarão idem. Não só pela vista deslumbrante lá de cima, mas pelo clima de seriedade que reina no espaço. Ali ninguém chega atrasado, ninguém deixa de escutar ninguém e é um tal de bom dia boa tarde boa noite que a gente fica se perguntando por que o Rio de Janeiro inteiro não pode ser assim.

 

 

A bela menina do cachorrinho
A história real da jovem que enfrentou um seqüestro e inferno das drogas
Rio de Janeiro: Ediouro, 2008.
(Ana Karina de Montreuil em depoimento a Carla Mühlhaus)

 

A vida tem dessas coisas. Quando a minha terapeuta perguntou se poderia dar o meu telefone para uma pessoa, fiquei confusa. Pensei: já sou casada, não disse que estava querendo conhecer ninguém, será possível que ela finalmente vai me encaminhar para um psiquiatra? Bem, essa pessoa era a Ana Karina. Sim, nós dividimos terapeuta e sim, já nos esbarramos na sala de espera, como não? Fato é que ela queria escrever um livro sobre a vida dela, e o que eu queria da vida era escrever livros. Bingo. Foi assim que a Lucia, nossa terapeuta, tentou cuidar de dois coelhos de uma só vez. Conseguiu. Ana Karina reescreveu sua história e deu a volta por cima, e eu agora vou ao consultório vez ou outra, meio de visita, que é para matar as saudades da melhor terapeuta que conheço.

Por trás da entrevista

Rio de Janeiro: Record, 2007.

(Carla Mühlhaus)

 

(Livro finalista do Jabuti em 2008)

Foram necessários duas dezenas de fitas cassete, cinco e gordos cadernos de anotações, incontáveis canetas pilot e post its amarelos, quatro cartuchos de tinta, mais de mil folhas de papel A4, seis carimbos dos Correios, sete anos de insistência e uma oferenda ao deus Gay Talese e seus deliciosos números para que este livro, finalmente, entrasse no prelo. Flertando com o Novo Jornalismo, descobri que a entrevista tem mais mistérios do que sonha nossa vã faculdade de jornalismo. Se você se distrair, zupt: ela some, escorrega pelos dedos, desaparece sem dar tchauzinho. Por isso é preciso ter olho treinado, diz Joaquim Ferreira dos Santos. E delicadeza, garante José Castello. Sim, também é preciso ter sorte, lembra o saudoso Joel Silveira, homem símbolo da reportagem de verdade. Numa coisa todos os entrevistados concordam: a entrevista tem manhas e surpresas que são só dela, de mais ninguém.

 

 

Manual de Mães e Pais Separados
Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
(Marcos Wettreich. Colaboração de pesquisa e texto: Carla Mühlhaus)

No mundo .com, ele é conhecido pelo seu toque de Midas. É considerado uma das maiores personalidades da Internet no Brasil, graças a criações de sucesso como Ibest, o Oscar da Internet. Mas o céu ainda não é o limite, e o homem quis escrever um livro. Seria de se esperar que o tema fosse algo como “Felicidades e agruras da rede”, ou “Como vencer na vida com um clique”, ou qualquer outro título de gosto duvidoso voltado para a fatia auto-ajuda do mundo dos negócios, certo? Na-nanina. Marcos Wettreich resolveu falar de crianças, relacionamentos e educação. Pai separado, decidiu destrinchar a difícil combinação entre filhos e uma separação inevitável. E ele sabe do que está falando: sua relação com a ex-mulher, ops, com a mãe de seus filhos, parece ser mesmo muito saudável. Os contratos são claros, o dia-a-dia funciona e a objetividade é palavra de ordem. Tudo em nome das crianças. Achei curiosa a escolha do tema, mas depois entendi tudo: o homem de negócios, prático e competente, também atua na vida pessoal. Deu-se então, agora sim, o belo título acima, no primeiro livro brasileiro dedicado ao assunto. Dado o histórico do autor, tem tudo para ser um sucesso.

 

 

Marília Carneiro no camarim das oito
Rio de Janeiro: Aeroplano e Senac Rio, 2003.
(Marília Carneiro e Carla Mühlhaus)

 

Foram dois meses de entrevistas. O que queria dizer muitos sábados de bom papo ladeado por bolo, pães de queijo e café fresquinho. Fiquei mal-acostumada com a Marilia. Se os futuros biografados forem como ela, estou na melhor profissão do mundo. Durante esse período de convívio, conheci a história da maior figurinista do Brasil, repleta de humor, segredos de bastidores e da própria trajetória da televisão brasileira. O difícil era acreditar que aquela conversa tão agradável e descontraída pudesse mesmo virar um livro. Mas o livro não só nasceu como é, para mim, a publicação mais lançada e festejada dos últimos tempos. Por causa dele já viajamos para Vitória, Belém do Pará, Brasília, Belo Horizonte, Salvador, São Paulo, Porto Alegre e Curitiba. Foram viagens divertidíssimas, alegres como a própria Marilia, que ainda arranja tempo para ser aquela amiga que liga só para saber se está  tudo bem. A idéia para o próximo livro já existe, falta é tempo na agenda. Mas um dia a gente consegue.

Asdrúbal Trouxe o Trombone:
memórias de uma trupe solitária de comediantes que abalou os anos 70
Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004.
(Texto: Heloisa Buarque de Hollanda. Preparação de texto: Carla Mühlhaus)

E“Me dá notícias de três em três horas”, pediu. Pura obsessão, a Heloisa autora não desgrudou do computador e de toda a pilha de depoimentos dos “asdrúbals” até chegarmos a um ponto final. Até então eu só conhecia a Heloisa editora e a Heloisa mãe, que era a que orientava angustiados alunos de mestrado. Não segui à risca a prescrição acima mas criamos um ritmo intenso de trabalho, cada uma no seu canto. No final, depois de dezenas de trocas de e-mails, estava lá o original sobre o grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone, criado em 1974 por Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé, Jorge Alberto Soares, Luiz Artur Peixoto e Daniel Dantas. Prontinho, em tempo recorde, o livro onde Heloisa conta a história do grupo que marcou a cena cultural dos anos 70. É sempre um prazer trabalhar com a mestra, esteja ela no papel de autora, orientadora ou editora (meio mãe desconfio que ela seja sempre).

Favela, alegria e dor na cidade
Rio de Janeiro: Senac Rio e (X) Brasil, 2005.
(Texto: Jailson de Souza e Silva e Jorge Luiz Barbosa. Texto final: Carla Mühlhaus)

Jailson de Souza e Silva pode hoje morar em Niterói, mas o coração do professor Jailson tem residência fixa na favela da Maré, aquela que se espalha ao longo da Av. Brasil, no Rio de Janeiro. Nascido e criado por lá, sabe bem das agruras e também das alegrias que envolvem a comunidade. Tratou de percorrer um caminho meteórico pela Academia, fazendo mestrado e doutorado em Sociologia da Educação na UFF, depois de se formar em Geografia na PUC. O resultado, coroado pela criação do Observatório Social de Favelas, de onde surgiu a idéia deste livro, é o aprofundado conhecimento dos problemas e preconceitos que habitam os morros cariocas há quase dois séculos. Junto com Jorge Luiz Barbosa ele assina este livro e a dedicatória que guardo com muito orgulho na estante: “Cara Carla, parabéns pelo seu trabalho e pela sua sensibilidade”. Depois de algumas reuniões e mudanças de rumo e uma grande e amabilíssima troca de e-mails, chego à conclusão de que esta tal sensibilidade – contagiante – veio toda de lá, da Maré.

 

Carmen Santos, o cinema dos anos 20
Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002.
(Texto: Ana Pessoa. Estabelecimento de texto: Carla Mühlhaus)

Este livro foi o responsável pela minha estréia num trabalho que eu ainda não sabia bem como nomear. Quando soube que o que fiz poderia ser chamado de “estabelecimento de texto”, achei bacana. Carmen Santos me mostrou o cinema dos anos 20, a criação da Cinédia, a trajetória dos filmes mudos e as ousadias da atriz que queria fazer cinema a qualquer custo. Adaptação de uma tese da jornalista Ana Pessoa, este livro é uma pequena pérola para mim – e para todos os aficionados por cinema.

 

Exposição De Mãos Dadas 

Revisitando o Brasil (abril de 2005)

Museu Histórico Nacional

Alice Cavalcante, a sábia produtora, era minha colega de turma de sapateado. Dançamos juntas por vários anos adolescentes e depois nos perdemos de vista. Só voltamos a nos encontrar num espetáculo de… sapateado. Devidamente atualizadas sobre quem estava fazendo o quê, descobrimos que poderíamos trabalhar juntas. Veio então o projeto De mãos dadas, dedicado a reunir obras de artistas portadores de deficiência física no Museu Histórico Nacional. A causa era nobre e o pedido, entre outras coisas, era de um “texto filosófico” para a abertura do catálogo. Deu-se então essa criação aqui. Mas o resultado deste encontro, suspeito, foi mais produtivo para a Alice: ela voltou a sapatear, enquanto eu continuo com os meus sapatos Capezio abandonados no armário.

 

Revista do Livro
N° 45 Ano 14.
Rio de Janeiro : Fundação Biblioteca Nacional, 2002

Trabalhar na Revista do Livro da Fundação Biblioteca Nacional foi, mais do que a primeira investida como editora assistente, um belo reencontro. Seu editor, Benicio Medeiros, já havia sido meu chefe na revista Drink. A oportunidade agora, valiosa, era de trabalhar com temas mais sérios do que vinho, drinques e cerveja. Nada contra destilados e fermentados, mas encarar artigos de colaboradores como Roberto Muggiati, José Castello e Ivan Junqueira me parecia, então, um desafio bem maior. Numa edição dedicada ao escritor Guimarães Rosa, por exemplo, aprendi muito com o depoimento de Geraldo França de Lima, com a contribuição histórica de Isabel Lustosa e o toque literário de Leonardo Fróes, para citar apenas dois dos 18 ensaístas. Eram sem dúvida grandes times aqueles que se concentravam no prédio Gustavo Capanema.

 

Revista Drink 
Publicação bimestral dirigida a bares, hotéis e restaurantes.
(distribuição: de 1995 a 1998)

 

Av. Nilo Peçanha, 155, sala 423. Endereço no bolso, levo meus 19 anos para um segundo estágio em jornalismo. O senhor que me recebe, editor da recém criada revista Drink, parece ser mais velho do que realmente é. Tempos depois culpo os cigarros e os cabelos brancos pelo engano, além da minha própria idade, que ainda insistia em envelhecer os adultos. Porque na verdade Benicio Medeiros é como Benjamin Button, personagem de um dos contos de Fitzgerald. Para ele os anos andam em marcha-ré. Foi só descobrir isso para entender a ironia, a indiscrição quase infantil de todo bom repórter e o lado gozador daquele cara de fala mansa, com jeito de quem tem sempre boas histórias na manga. “Te dou cem pratas, topa?”. Topei. E nunca um salário raso de estágio rendeu tanto. Foram três anos de convívio que fizeram valer a faculdade. Escrevi sobre cerveja, vinho, cachaça, espumantes. Fiz amizade com barmans, aprendi a fazer dry martini, conheci vinícolas do sul do País. Foi, enfim, uma bela pós-graduação etílica. Especializada em bebidas e dirigida a bares, restaurantes e formadores de opinião, a revista durou apenas três anos, esmagada que era pela concorrência das publicações de banca. Foi triste abandonar o barco, mas hoje penso que foi melhor assim. Pelo menos é o que diz o meu fígado.

 

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